Micheliny Verunschk é conhecida pela sólida voz poética. Nesse romance de estreia, no prosaico, na história da vida, a poeta também chega para ficar. A personagem Teresa é uma adolescente cujos desejos quase não chegam a sê-los, pois são espontaneamente saciados de saída, como os anseios dos anjos, por isso são anjos. A moça é vidente, opera milagres e vai surgindo líquida, contada por um velho que resiste em dá-la de todo para o leitor. Mas ela chega cada vez mais perto, beatificada pelo Papa e trazendo sim um desejo que a tentou até sua realização, o suicídio. A família tenta esconder, não a vê como santa, o problema é "que é assim que se comportam as notícias de morte, caminhos de pólvora a estalar em alta velocidade". O velho narrador nos lembra: "tenta se esconder até mesmo o que é mais óbvio, o suicídio de Jesus, em Jerusalém, durante aquela longínqua Páscoa de que até hoje se tem notícia". Teresa é filha de pais ateus, que dos milagres operados pela filha nunca tiveram olhos para ver. O pai é leitor de William Faulkner e esconde o sonho de ser um músico virtuoso, a mãe é atleta e ambos são cultores da liberdade, ambos enterraram a filha debaixo dos olhos de quem crê ou não, ali na indiferença da terra que come ladrões, moscas ou santas. O tema da herança já estava no trabalho de Micheliny Verunschk, o vemos no seu livro de poemas, o aclamado Geografia íntima do deserto: "O meu pai/ possuía uma das asas/ muito negra./ E dele herdei/ estas estrelas na testa/ e esta noite excessiva". Aqui, nesse romance arrebatador, acompanhamos o luto da terra que chora de barriga cheia, alimentada por mais suicidas do que assumimos. O narrador reza, mesmo cansado, pois o suicídio é pecado para os homens, não para Deus, para isso agora ele tem uma padroeira. Verunschk olha bem nossos olhos e esclarece devagar: pecado é a santidade.
Andrea del Fuego